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Como sertanejos que atacam a Lei Rouanet escondem o uso de verba pública

Zé Neto, da dupla com Cristiano, disse não usar dinheiro da Lei Rouanet, mas há registros de recebimento de verba pública pela dupla

Como sertanejos que atacam a Lei Rouanet escondem o uso de verba pública
Notícias ao Minuto Brasil

18:15 - 19/05/22 por Folhapress

Fama LEI-ROUANET

RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - O ataque de Zé Neto contra Anitta neste fim de semana ainda repercute nas redes sociais. O sertanejo, da dupla com Cristiano, disse que não dependia da Lei Rouanet e que não precisava fazer uma "tatuagem no 'toba' para mostrar se a gente está bem ou mal", em referência à tatuagem íntima da cantora.

Se, de um lado, os fãs e até o pai de Anitta se preocuparam em contra-atacar Zé Neto pela crítica à tatuagem da cantora, chamando o sertanejo de "enrustido", houve quem não tomasse as dores, mas se preocupou com o ataque à Rouanet, caso do jornalista Demétrio Vecchioli.

Vecchioli chamou atenção para o fato de que o show que Zé Neto fazia quando criticou Anitta tinha sido pago pela prefeitura de Sorriso, cidade de Mato Grosso a 400 quilômetros de Cuiabá. O valor do cachê era R$ 400 mil.

O jornalista fez um fio no Twitter extraído de documentos de governos municipais para mostrar que este não era um caso isolado. A dupla, do hit "Notificação Preferida", também tinha sido paga por prefeituras de cidades de pequeno e médio porte no interior de estados como Goiás, Minas Gerais e São Paulo.

O cachê varia até 188%, dos R$ 180 mil pagos à dupla para uma apresentação em Campos Gerais aos R$ 550 mil para um show em Extrema, ambas cidades de Minas Gerais.

Em outras palavras, os documentos comprovam que Zé Neto, que atacou a Rouanet, usa verba pública como qualquer artista que recorre à Lei de Incentivo à Cultura.

É uma prática comum entre cantores. Há cerca de três anos, Anitta mesmo fez um show em Parintins, cidade do Amazonas a 380 quilômetros de Manaus, por R$ 500 mil. Daniela Mercury também havia recebido verba da Prefeitura de São Paulo para um show na Central Única dos Trabalhadores em apoio a Lula. O show virou alvo de sindicância, e o pagamento da cantora foi suspenso.

Quem mais usa este recurso, no entanto, são os sertanejos, visto que são eles que, diferentemente dos cantores de gêneros como o pop, percorrem o Brasil de norte a sul e vão a cidadezinhas do interior para se apresentar em festivais do agronegócio. Muitos inclusive aproveitam as visitas para gravar CDs e DVDs repletos de referências às cidades.

Qual seria, então, a diferença entre um show pago com verba de uma prefeitura e o daquele que é financiado pela Rouanet?

A resposta é a falta de controle em relação às verbas municipais. Isso, inclusive, torna inviável uma pesquisa rápida sobre todas as apresentações contratadas por meio desse financiamento. É diferente da Rouanet, que mantém um portal para que o cidadão pesquise e filtre os projetos que já foram e que estão sendo financiados.

Com verba municipal, a prefeitura decide qual cantor ou grupo quer contratar e o contrata sem licitação. A dispensa ocorre porque há apenas um fornecedor do serviço, que é o artista em questão. Embora órgãos como o Tribunal de Contas possam questionar o investimento, não há regras como um limite por cachê.

Já via Rouanet o artista é quem precisa correr atrás do dinheiro. Ele tem de propor uma ideia à Secretaria Especial da Cultura, órgão do governo federal que substituiu o antigo Ministério da Cultura. Pode ser uma turnê, um álbum ou qualquer outro projeto artístico.

No momento em que faz a proposta, o artista precisa detalhar todos os gastos para a realização do projeto. No caso de uma turnê, é preciso especificar quanto seria desembolsado com cachê e transporte dos músicos de apoio, com o aluguel de equipamentos como caixas de som e tudo mais que for necessário. Cada elemento precisa ter ao menos três orçamentos de fornecedores diferentes.

Se a proposta estiver de acordo com tais regras, ela vira um projeto, que é encaminhado a um parecerista que compreende os trâmites da área específica –nesse caso, um produtor de eventos com experiência na realização de uma turnê, para dizer se aquilo que o artista propõe faz sentido.

Se o projeto passar pelo crivo do parecerista, que não tem contato algum com o artista, ele é encaminhado para uma comissão, formada por representantes do governo e da sociedade civil, que dão a bênção final e homologam o projeto.

A aprovação, no entanto, não garante o dinheiro. É a partir dela que o artista tem autorização do governo federal para ir atrás de empresas que possam financiar sua empreitada e, com isso, abater do Imposto de Renda o valor gasto com o projeto, ou seja, com o incentivo à cultura.

Depois de conseguir o dinheiro, há ainda regras para o uso da verba. O cachê de um artista solo, por exemplo, não pode ultrapassar R$ 3.000. Todos os gastos também precisam ser planilhados e apresentados à Secretaria Especial da Cultura, que analisa se o uso do dinheiro foi ou não adequado.

A Rouanet, que vem sendo atacada pelo presidente Jair Bolsonaro e por músicos sertanejos que são seus apoiadores, é um meio mais burocrático, difícil e demorado de se conseguir verba para o patrocínio de projetos artísticos, com limites inclusive para os cachês, diferentemente do que Zé Neto deu a entender ao criticar Anitta nos palcos.

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