Após voto de Toffoli, STF forma maioria para descriminalizar porte de maconha
Os ministros ainda debatem critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes, inclusive quantidade de droga
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Brasil Justiça
Depois do complemento do voto do ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta terça-feira, 25, para reconhecer que o porte de maconha para consumo próprio não é crime. Os ministros ainda debatem critérios objetivos para diferenciar usuários e traficantes, inclusive quantidade de droga.
A decisão só passa ter efeitos práticos quando o julgamento for encerrado e o acórdão publicado.
A Lei de Drogas, aprovada em 2006, não pune o porte com pena de prisão. Com isso, os ministros declararam que esse não é um delito criminal, mas um ilícito administrativo. O consumo continua proibido.
Votaram a favor da descriminalização os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber (aposentada), Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli (leia mais sobre os votos abaixo).
Cristiano Zanin, Kassio Nunes Marques e André Mendonça foram contra a descriminalização.
Prevaleceu a posição de que a dependência é um problema de saúde pública.
Uma das consequências práticas da decisão é que quem for enquadrado como usuário não terá antecedentes criminais. "O que acho mais nefasto é a pecha de criminoso que se coloca no usuário e que o inibe de buscar ajuda nos casos de dependência", defendeu Dias Toffoli.
A pena para os usuários permanece a mesma prevista na legislação - advertência sobre os efeitos das drogas e participação em programas ou cursos educativos. Os ministros ainda não decidiram se mantém ou não a prestação de serviços comunitários.
Toffoli complementa voto
Na semana passada, o STF divulgou o posicionamento do ministro Dias Toffoli como uma divergência parcial - um voto para manter a legislação como está, com a ressalva de que, na avaliação dele, ela já não criminaliza o usuário.
Nesta terça, ao retomar o julgamento, ele pediu a palavra e esclareceu que a posição foi a favor da descriminalização.
"A descriminalização já conta com seis votos. O meu voto se soma ao voto da descriminalização. Hoje pela manhã Vossa Excelência (Barroso, presidente do STF) me perguntou como meu voto era para ser proclamado. Por isso, entendi por bem fazer essa complementação. Se eu não fui claro o suficiente, o erro é meu, de comunicador", afirmou Toffoli.
Como diferenciar usuários de traficantes
A segunda etapa do julgamento gira em torno da quantidade de droga que deve ser usada como parâmetro para distinguir o consumidor do traficante. As propostas apresentadas até o momento vão de 25 a 60 gramas. Uma terceira corrente no STF defende a abertura de prazo para o Congresso estabelecer esse limite.
Esse é um ponto central porque, na avaliação dos ministros, vai ajudar a uniformizar sentenças e evitar abordagens preconceituosas. Estudos citados no plenário mostram que negros são condenados como traficantes com quantidades menores do que brancos. O grau de escolaridade também gera distorções nas condenações - a tolerância é maior com os mais escolarizados.
"A quantidade vem sendo utilizada, lamentavelmente, como uma forma de discriminação social", criticou Alexandre de Moraes.
A quantidade, no entanto, não será um parâmetro soberano. Outros elementos podem ser usados para analisar cada caso.
Crise com o Congresso
O julgamento aprofundou a animosidade entre o STF e o Congresso. A bancada evangélica reagiu em peso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também chegou a se manifestar publicamente contra a interferência do Judiciário. Ele defende que a regulação das drogas cabe ao Legislativo e não deveria estar sendo discutida pelo Supremo.
Deputados e senadores debatem uma proposta de Rodrigo Pacheco para driblar o STF e incluir na Constituição a criminalização do porte de drogas, independente da quantidade. Uma comissão especial será criada para debater o texto.
"Nós estamos assumindo para nós problemas que não são nossos, por falência dos outros órgãos de deliberação da sociedade. E depois nos chamam de ativistas", criticou Toffoli nesta terça.
Veja como votou cada ministro:
A FAVOR DA DESCRIMINALIZAÇÃO
Gilmar Mendes (relator) - "Despenalizar sim, mas mais do que isso: emprestar o tratamento da questão no âmbito da saúde pública e não no âmbito da segurança pública."
Rosa Weber (aposentada) - "A dependência química e o uso de drogas são questões que se inserem no âmbito das políticas públicas de saúde e de reinserção social. Delimitada a questão como problema de saúde pública, tenho por desproporcional e utilização do aparato penal do Estado para a prevenção do consumo dos entorpecentes."
Alexandre de Moraes - "Quem conhece o Direito Penal, sabe que só é crime o que é apenado com reclusão e detenção e só é contravenção o que é apenado com prisão simples."
Luís Roberto Barroso - "O que nós queremos é evitar a discriminação entre ricos e pobres, entre brancos e negros. Nós queremos uma regra que seja a mesma para todos. E fixar uma qualidade impede esse tipo de tratamento discriminatório. Ninguém está legalizando droga."
Edson Fachin - "O dependente é vitima e não criminoso germinal. O usuário em situação de dependência deve ser tratado como doente."
Dias Toffoli - "Estou convicto de que tratar o usuário como um tóxico delinquente não é a melhor política pública."
CONTRA A DESCRIMINALIZAÇÃO
Cristiano Zanin - "Não tenho dúvida de que os usuários de drogas são vítimas do tráfico e das organizações criminosas, mas se o Estado tem o dever de zelar pela saúde de todos, tal como previsto na Constituição, a descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais para o agravamento desse problema de saúde."
André Mendonça - "O legislador definiu que portar drogas é crime. Transformar isso em ilícito administrativo é ultrapassar a vontade do legislador. Nenhum país do mundo fez isso por decisão judicial."
Kassio Nunes Marques - "A grande preocupação da maioria das famílias brasileiras não é se o filho vai preso ou não. A preocupação é que a droga não entre na sua residência. Para isso, a lei tem hoje um fator inibitório. A sociedade brasileira precisa de instrumentos para se defender."