Bruxa esteve solta no cinema em 2024, com 'Wicked', briga política e tramas ousadas
Se Hollywood viu surgir onda de filmes com mulheres à frente, no Brasil Fernanda Torres virou diva e Cota de Tela foi renovada
© Getty Images
Cultura Cinema
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A bruxa esteve solta em 2024, e não foi só na figura óbvia e verde de Cynthia Erivo voando sobre uma vassoura no musical sensação de fim de ano "Wicked". Os últimos meses foram de turbulência no cinema, tanto no Brasil quanto lá fora, como já tem sido há algum tempo.
Desde o fim da pandemia de Covid-19 e, no Brasil, do governo Jair Bolsonaro, o cinema tem ensaiado uma reorganização e, mais importante, uma melhora em seus números e perspectivas. O ano de 2024 deu algum fôlego para a área, mas muitos problemas e frustrações se mantiveram.
No Brasil, Lula e seu Ministério da Cultura, chefiado por Margareth Menezes, colecionaram cartas de entidades do audiovisual insatisfeitas, entre outras coisas, com a demora na regulamentação do streaming e com a falta de editais e linhas de crédito voltadas a mostras e ao parque exibidor.
O Fórum dos Festivais, a Associação Brasileira de Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex, sindicatos e associações que representam cineastas, roteiristas e animadores estiveram entre aqueles que tentaram ampliar o diálogo com o poder público ao longo do ano, com mais promessa do que ação como resultado.
Por outro lado, a Cota de Tela, vencida desde 2021, foi renovada após grande expectativa e debate no setor, aumentando a esperança de que os filmes nacionais recuperem seu público, já que agora as salas de cinema serão obrigadas a reservar uma porcentagem de sessões para eles.
"Minha Irmã e Eu", comédia estrelada por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, nem precisou que a medida estivesse em vigor para alcançar, na virada do ano passado para este, 2,2 milhões de espectadores -fato inédito entre filmes brasileiros desde a queda de bilheteria provocada pela Covid-19.
Foi um estímulo bem-vindo logo no começo do ano, mas que pouco se repetiu nos meses seguintes. Foi só na reta final de 2024 que outra produção nacional voltou a injetar otimismo no setor -o comentadíssimo "Ainda Estou Aqui" fez, até agora, 2,8 milhões de espectadores.
O sucesso catapultou a popularidade de Fernanda Torres, figura já cara para muitos brasileiros, mas que alcançou fama internacional com seu trabalho no longa de Walter Salles e sua recente indicação ao Globo de Ouro.
À frente de "Ainda Estou Aqui", Torres encarna a luta e a força de Eunice Paiva, mulher de Rubens Paiva, ex-deputado morto pela ditadura militar. A resiliência da personagem ecoa a da safra de filmes de 2024, ano em que mulheres ganharam destaque nos mais variados gêneros.
Acirrada, a disputa pelas cinco indicações de melhor atriz no Oscar é prova disso. Para conquistar uma vaga, Torres terá que desbancar medalhões como Nicole Kidman, Angelina Jolie e Tilda Swinton. Também são fortes candidatas a bruxa Cynthia Erivo, a melhor atriz no Festival de Cannes, Karla Sofía Gascón, a protagonista da Palma de Ouro "Anora", Mikey Madison, e Demi Moore, outra que, de certa forma, incorporou uma bruxa neste ano.
Em "A Substância", a americana tira a roupa contra o etarismo e o machismo e vai lentamente se transformando numa criatura monstruosa. Da mais bela do reino de Hollywood, ela vai a figura mau-humorada, invejosa e assustadora, refletindo a trajetória da madrasta de "A Branca de Neve".
"Anora" é outro filme que, mesmo nas mãos masculinas de Sean Baker, acompanha a trajetória de uma dançarina e garota de programa à mercê da crueldade de um mundo dominado por homens. Os musicais "Wicked" e "Emilia Pérez" e o nacional "O Clube das Mulheres de Negócios" também provocaram o espectador com a ideia de um mundo comandado por elas.
Já "Babygirl" pôs a sexualidade e o prazer feminino em cena, por meio dos gemidos de Nicole Kidman, algo que outro filme viral deste ano, "Rivais", fez também, nos gritos de Zendaya. Os dois filmes, altamente sensuais, fortaleceram a onda de erotismo que mostrou, em 2024, que Hollywood pode estar voltando para os tempos do sexo e da nudez sem pudores.
No lado mais pueril do cinema, "Divertida Mente 2" emocionou multidões e surpreendeu ao se sagrar a maior bilheteria de uma animação da história. No Brasil, o sucesso foi tanto que o longa se tornou o mais visto nos cinemas de todos os tempos.
Mas nem por isso a Disney deixou de enfrentar suas próprias bruxas. Para além de "Divertida Mente 2", uma criação da Pixar, o estúdio teve de mudar seus planos para conseguir uma animação de sucesso no ano, após os fracassos "Wish", em 2023, e "Mundo Estranho", no ano anterior.
Em fevereiro, o estúdio anunciou em cima da hora que transformaria uma série de TV da velejadora Moana num filme a ser lançado nos cinemas. A justificativa era de que a trama era tão boa que merecia chegar às telonas, mas ficou clara a intenção da empresa de lucrar em cima de uma personagem já consagrada. O primeiro "Moana", de 2016, surfou em boa bilheteria, lançou uma nova princesa, e se provou uma das animações de sucesso mais longevo.
A aposta deu certo. Até agora, "Moana 2" fez US$ 790 milhões, já tendo superado o primeiro, e com o bilhão à vista.
Por outro lado, a Disney não teve o resultado esperado com seu mais esperado lançamento de fim de ano, "Mufasa", um resgate dos leões digitais hiper-realistas que encheram o cofre da empresa em 2019 com o remake de "O Rei Leão".
Feito para abocanhar as férias infantis, "Mufasa" não causou nem de perto o mesmo frisson que seu antecessor, hoje um dos dez filmes de maior bilheteria da história. Os números provam -lançado semana passada, ele abriu com US$ 122 milhões, quase 40% a menos do arrecadado pelos leões de 2019, que fizeram US$ 191 milhões só no fim de semana de estreia.
Outra sequência que fez feio este ano, "Coringa: Delírio a Dois" assombrou a Warner com uma bilheteria de US$ 206 milhões, um quinto do bilhão feito pelo "Coringa" de 2019.
É retrato de uma crise enfrentada por vários blockbusters em 2024. Na lista de bombas, há ainda "Furiosa: Uma Saga Mad Max", que também frustrou a Warner com a retomada da franquia de ação, e a adaptação do jogo de videogame "Borderlands: O Destino do Universo Está em Jogo", que não conseguiu nem se pagar.
No caldeirão de alguns sucessos, outros fracassos e muitas incertezas que foi o cinema este ano, o caldo está prestes a entornar. Resta ver se as bruxas de "Wicked" voarão sobre um terreno mais fértil no filme que encerra o ano que vem.
Leia Também: 'Ainda Estou Aqui' alcança a quinta maior bilheteria no Brasil em 2024